quinta-feira, 6 de agosto de 2020

Judeus no Comércio de Botucatu - por João Carlos Figueiroa

Russos - localizada onde hoje está parte da "Casas Bahia"
(a foto faz parte do texto publicado por João Figueiroa)
Recebi um e-mail de João Figueiroa, autor do artigo abaixo, e que autorizou o compartilhamento do texto. O artigo original consta de “Notas”, do perfil de João Figueiroa, no Facebook (link indicado no final do texto) . Inicialmente foi publicado no livro “Achegas para a história de Botucatu”, de Hernâni Donato

Judeus no Comércio de Botucatu - 25 de fevereiro de 2015 às 20:04 - por João Carlos Figueiroa. Publicado em 2008, com o título “Israelitas” no livro de Hernâni Donato -  “Achegas para a História de Botucatu”

Os registros mais antigos falam da presença em Botucatu de uma família Levy. Quando Sebastião de Almeida Pinto ocupou-se das crônicas sobre o Botucatu de antes, no seu livro “No Velho Botucatu”, falou que Samuel Levy era rabino e, como profissional trabalhava em ourivesaria, mas também era protético, não abrindo mão de desempenhar as funções de dentista prático. E era francês de nascimento. Samuel morreu em Botucatu e jaz enterrado no Cemitério Portal das Cruzes. Seus segredos e suas histórias foram com ele.

 

É bem possível que, entretanto, tenham existido, outras famílias judaicas e professando sua fé, na cidade. Na certeza mesmo, pode ser registrado que as famílias judias, não muitas, começaram a vir a Botucatu entre as duas grandes guerras.Quase todas elas são oriundas da Rússia e de países que caíram sob a influência da revolução bolchevique de 1917. Esses eram os comentários que os brasileiros,que com eles trabalhavam, ouviam. O que é, também, indicado pela procedência que declaravam. Não terá sido coincidência que existisse um conterrâneo aqui radicado, antes deles. Realmente, no almanaque de 1920 já existia um russo chamado Maurício Averback, trabalhando exatamente com uma loja de móveis (Casa dos Russos), o ramo de negócios que mais atraiu as levas de judeus russos que chegaram pouco depois. 

 

Quase todos eles montaram suas lojas na Rua Amando de Barros e foram trabalhar com móveis. Ali estavam o Ramiro Glimblat (Casa Ramiro-móveis), o Marcos Zilber (Mobiliadora Moderna-móveis), o Bencjon Waksman (Favorecedora-móveis), os Irmãos Vinick (loja de colchões, móveis e roupas), o José Acquerman (roupas feitas), a Casa Jacques (roupas feitas) e muito antes deles o Paulo Goldemberg, sua esposa Sonia e filha. Eram proprietários da Casa Botucatu e trabalhavam com roupas feitas, também. Essa loja ficava onde hoje está a alfaiataria do Mineto.

 

Havia também outras lojas, mal registradas na lembrança dos botucatuenses. Uma delas ficava defronte à Padaria do Bosque e outra, ainda, defronte ao Peabiru. Esta, de propriedade de José Chaitz. Todas as três trabalhando com roupas feitas. Assim pode-se dizer que, pelo menos entre os anos 40 a 80, a presença deles foi quase uma exclusividade no ramo de móveis e roupas feitas. Pontuaram nesse segmento perto de 50 anos. 

 

Quanto à procedência, teriam vindo de: Bencjon Waksman era polonês; Marcos Zilber era da Besarábia (a Besarábia é nome antigo de uma região ao sul da Rússia; hoje, porções dessas terras são partes de outros países da atualidade: Moldávia, Romênia e a Ucrânia); Ramiro Glimblater era russo; José Acquerman era russo, também. Deles todos, apenas Jacques Zumercon, estabelecido com sua Casa Jacques, no ramo de confecções, declarava-se francês de nascimento e dizia ter combatido ao lado de Moshe Daian, durante as guerras de 1948, que resultaram no estabelecimento do Estado de Israel.    

 

Das curiosidades “achadas” esquisitas pelos brasileiros de suas relações estava o fato de se preocuparem demasiadamente em não comer um bom misto quente, exatamente para evitar a carne de porco do presunto. Contam, Jacques especulava por longos minutos o garçon do Café do Ponto, antes de receber o seu “Bauru de Carne”. Queria ter certeza. Ou então, a apreensão do Zilber quando o filho Moshe foi estudar fora: “O que iria ele comer na república, carne de porco???”. E, lembram ainda os brasileiros, do desespero de algumas mães judias ao perceberem que suas filhas ou filhos, em contacto com os meninos e meninas cristãos, se encantavam com as árvores de natal e queriam armá-las dentro de suas casas.

 

Existiram outros também: o mascate que morava no Hotel Brasil (hoje Agência Central dos Correios), um russo vermelhão que vendia de tudo: relógios, pulseiras, e etc. Não se fixou, era meio errante, fazendo bem o papel de mascate. Ou então o Felipe, que residia onde hoje existe uma vídeo-locadora nas imediações da Igreja São Benedito. Adorava futebol,gostava de uma boa conversa e parece que, entre todos, foi o que mais se integrou, espontaneamente, na cidade. Morreu de “morte morrida” e foi encontrado depois de algum tempo em sua casa. Seus sobrinhos vieram liquidar seus haveres e propriedades, que ele as havia feito.

 

Nessa mesma época existia outra pequena loja, de uma porta só, localizada no quarteirão acima da Praça do Bosque, na principal rua de comércio da cidade, a Amando de Barros. Ao que consta era a única que trabalhava com jóias e onde teria se iniciado a relojoaria do botucatuense “Dito loco”, ainda existente e sob direção de seus filhos. Era um misto de relojoaria e joalheria e era de propriedade de um israelita de nome Jacob, genro de outro comerciante, também judeu, Ramiro Glimblat. Alguns botucatuenses ainda se lembram dessa família, e dentre os componentes dela, de sua esposa Clarinha e de uma filha que tinha o nome de “Pérola”.

 

O último a deixar a cidade foi o Jacques, que trabalhava com confecções, mudado para São Paulo depois de se aposentar. Ainda há uns três anos voltou a Botucatu para vender sua casa, construída na rua dr. Costa Leite.

 

Todos eles sentiam uma imensa dificuldade para professar coletivamente seu culto, visto inexistir uma sinagoga na cidade.Dos mudados, essa foi a principal razão para terem saído de Botucatu, quando já em fins de suas atividades profissionais.

 

Vejam o artigo original em https://www.facebook.com/notes/jo%C3%A3o-figueiroa/judeus-no-com%C3%A9rcio-de-botucatu/799041443522973  


Edito este texto em 02 de março de 2022, após receber e-mail de sr. Moisés Ari Zilber, com algumas correções: 


"Sou Moises Ari Zilber, nascido em Botucatu, onde meu pai foi comerciante por quase 50 anos, proprietário de uma loja de moveis, a Mobiliadora Moderna - Casa Modelo. Li uma matéria sobre alguns flagrantes da nossa vida e quero corrigir a de que meu pai teria ficado preocupado com seu filho que veio estudar em São Paulo com medo dele comer  carne de porco. E que esse filho seria eu. O filho que veio estudar engenharia na Escola Politécnica é meu irmão Meyer. Na verdade  os meus pais estavam preocupados a respeito de onde ele se instalaria na capital, mas nunca tiveram essa preocupação, apesar de que evitavam comer essa  carne rotineiramente. Por outro lado, naquela época havia um prêmio dado aos melhores alunos da excelente escola pública do ensino básico Cardosos de Almeida com uma poupança da Caixa Econômica. E a rádio Emissora fazia um evento para entregar aos melhores alunos esse prêmio. E em todos os anos todos os meus irmãos, o Meyer, a Eva e a Olga ganhavam, o que me deixa uma lembrança  especial deles que já não estão mais aqui. Era uma valorização do ensino em escola pública, as melhores da época e que hoje se encontra em estado precário. Aliás, Botucatu era conhecida pela cidade dos bons ares e boas escolas. Em 1953 a família se mudou para São Paulo, mas o meu pai continuou operando a loja até que, no início dos anos 1980, encerrou atividades e alugou o ponto à Rua Amando de Barros, 677, que desde então está ocupado pela farmácia Drogal. "


E você, teria histórias a contar sobre a comunidade judaica de Botucatu? E sobre as demais comunidades judaicas do interior paulista??? Escrevam para mim... myrirs@hotmail.com

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