sexta-feira, 22 de maio de 2020

No porto de Santos - Lisete Barlach

Aron, Cila(Cipa) e Oscar Barlach
(foto de Lisete Barlach)

Quando o navio aportou em Santos, vindo da Europa, eles souberam que permaneceriam ali por muitas horas antes que seguissem para Buenos Aires, seu destino final.

Malka propôs, então, a seu marido Shmuel um passeio pelo porto onde, ao longe, via algumas lojinhas e algum movimento de gente.

Cismou que aquela loja era de “patrícios” e puxou o marido para entrar. Em ídiche, confirmou sua hipótese e logo, num papo animado, perguntou ao dono da loja se conhecia “Fulano, que tinha vivido no mesmo local que eles e hoje morava em São Paulo”.

Era como se, estando na Europa, alguém, sabendo-me brasileira, perguntasse se eu conhecia fulano... entre 200 milhões de habitantes...

Não é que o cara conhecia? E mais: era seu fornecedor.

Aron, Cila(Cipa) e Oscar Barlach
(verso da foto)
Texto em alemão...quem pode traduzir?
(foto Lisete Barlach)
Pegou o telefone (uau, ele tinha telefone!), pediu à telefonista que ligasse para um certo número, e, pasmem, horas depois esse “fulano”, que havia tomado um táxi de São Paulo ao porto de Santos, se materializou ali.

Papo vai, papo vem (e não deve ter sido tão longo assim, visto que o navio tinha hora para partir para a Argentina), a Malka resolveu ir para São Paulo ao invés de seguir viagem. 

O amigo (o fulano) disse que seria fácil para eles conseguirem emprego e moradia e, como ele já trabalhava numa empresa (que depois veio a ser conhecida como Klabin) e o Shmuel poderia trabalhar ali, a Malka, o marido e a pequena Sara decidiram voltar com ele a São Paulo, não sem antes avisar à sua irmã, Cila, que descarregasse os baús em Buenos Aires e os despachasse para ela.

Foto de Lisete Barlach, autora do texto, em Israel
Essa impulsividade de Malka determinou a vida de muitos: da Sara, do Henrique (que nasceu depois, no Brasil) e da Cila, do Aron, do Oscar e do Uri (que também nasceu depois no Brasil), pois a Cila detestou a Argentina e acabou pressionando o Aron para se reunir à família dela (irmã, cunhado e sobrinha) que estava em São Paulo.

O Aron ainda permaneceu em Buenos Aires por um tempo. Era mestre de obras e queria “juntar algum dinheiro” antes de vir para o Brasil. Mas a Cila e o Oscar, seu filho, se anteciparam e, já em São Paulo, se instalaram no bairro do Bom Retiro, iniciando uma história longa e interessante que será contada mais adiante.

Por ora, vale observar que Aron era chamado de Bernardo e até hoje ninguém conseguiu me explicar por quê. Eu só descobri que o nome dele era Aron quando, muitos anos depois, pude ler, em hebraico, seu nome na lápide de Oscar, meu pai.

Já em Sampa, como mestre de obras, ele “pintou” o túnel do Anhangabaú, fato que era relatado em diferentes momentos em que passávamos por ali ou quando nos referíamos à vida dele. Muitos anos depois, o Henrique (tio Henrique?) comentou que ele havia também pintado o teto da Beth-el, o templo em que Oscar e Rosinha se casaram, hoje um museu judaico em São Paulo.

A Cila era chapeleira, confeccionava e vendia chapéus para a alta sociedade judaica de São Paulo. Era também costureira e sua máquina de costura, tão usada, tão singular, e tão representativa de sua pessoa, ficou com a minha prima Elisabete, filha do Uri, irmão do meu pai. A Bete, que hoje se percebe tão parecida com a dona Cila (como todos a chamavam), é herdeira de todas as vivências com ela, tanto suas “rabugices” quanto suas histórias e talentos...

Lisete Barlach encaminhou-me o texto acima, relacionado à família de seu pai, ao conversarmos sobre a história de sua família por parte de mãe, que morou em Araraquara... 

Direitos autorais do texto e fotos: Lisete Barlach. 

Você gostaria de ver a história de sua família, que faz parte da história das comunidades judaicas das diversas cidades de São Paulo, e das sinagogas destas, publicada neste Blog? Então, encaminhe-me um e-mail: myrirs@hotmail.com  

Observações: 
1)Malka e Cila eram irmãs, de sobrenome Barlach. Malka casou-se com Shmuel, e assumiu o sobrenome Brenner, enquanto Cipa casou-se com Aron e assumiu o sobrenome Barlach.
2)Cila, como era conhecida no Brasil, está registrada como Cipa em sua identidade.
3)Patrícios = judeus
4)Sara, ao casar, tornou-se Zyngerevitch




2 comentários:

  1. Amo estas histórias porque elas são muito parecidas com as de todas as famílias imigrantes da Europa, principalmente, mas não só, Orientak, inclusive a minha. Variam os parentes, os lugares mas o cheiro, as imagens são as mesmas.

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  2. Só uma errata: a Malka era chapeleira e a Cipa, costureira (a Bete, minha prima, citada no conto, fez a correção e agradeço a ela por isso).

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